
Evento da Ethereal Records para apresentação do segundo álbum de Malignea “A Aldeia” [6/09/2025]
Os primeiros dias de Setembro ficaram marcados, em Lisboa, por uma tragédia que ninguém irá esquecer: o acidente no Elevador da Glória, que ceifou a vida a 16 pessoas, turistas e portugueses, mergulhando a cidade num luto municipal de três dias.
Mas, como tantas vezes acontece, a música é chamada para curar feridas e celebrar a Vida.
Fomos até à República da Música, em Alvalade, uma sala recentemente renovada, agora com novos sócios, entre eles o Pedro Paixão (teclista e compositor em Moonspell), que tem dado uma nova vida a este espaço icónico do underground lisboeta.
O mês 9 do ano, é sempre um mês complicado: com regresso das férias, despesas acumuladas, crianças a iniciar o ano escolar, faculdades a reabrir, a vida laboral a voltar à sua velocidade máxima… eu sei, também eu estou a passar por isso…
Mas a presença era obrigatória, nesta noite da Ethereal Records, editora nacional independente que aposta forte na cena gótica, folk e metal alternativo, apresentando três dos seus artistas: Paula Teles, Outshine e os anfitriões da noite, Malignea, que vieram lançar o muito aguardado segundo álbum “A Aldeia”.
Paula Teles = Alma lusitana, em ambigua dualidade entre o fado e o metal.
Neste primeiro fim de semana de Setembro, Lisboa fervilhava de eventos.
O que me levou à República da Música não foi apenas a apresentação do novo trabalho dos meus estimados Malignea (ex-Dogma), que sei que terei oportunidade de rever muitas vezes, mas sim algo que raramente vemos ao vivo em Portugal: Paula Teles, uma artista única, que há já alguns anos, constrói um caminho seu, fundindo o gothic/symphonic metal com o fado.
À primeira vista, estes géneros podem parecer mundos opostos, mas na verdade partilham a mesma melancolia, a mesma intensidade emocional, e letras carregadas de dor, introspecção e Alma.
A Paula, já deu tema a teses de doutoramento e conquistou prémios internacionais, mas, como tantas vezes acontece por cá, o reconhecimento tem vindo devagarinho, conquistando corações um a um, graças à sua simplicidade, talento e voz.
Acompanhada pelos irmãos Lopes, exímios guitarristas, conta com dois EPs:
- Desencanto (o seu primeiro ato de coragem a solo)
- EntreParedes (lançado pela Ethereal Records, em homenagem a Carlos Paredes, ao 25 de Abril e à emancipação da mulher.
As músicas em ambos os eps, têm aquela dualidade tão portuguesa: de um lado, uma melancolia que nos avassala a alma, do outro, uma vontade de viver e resistir que não se explica, apenas se sente…
Como ela própria transmite no palco, a sua voz carrega as dores e lutas de muitas mulheres, mas também traz coragem e sensualidade, servindo de hino à emancipação feminina.
Já a tinha visto ao vivo noutros contextos; com Lilith’s Revenge e Waterland, na mítica aldeia do Metal Pindelo dos Milagres, ora no Milagre Metaleiro OPEN AIR, ora na Assembleia do Metal, mas nunca a solo…
E a estreia em Lisboa, apesar de carregada pelo Luto Municipal, não podia ter sido mais bonita:
– Foi um concerto curto, mas profundamente intenso, onde foi acompanhada pela guitarra portuguesa e elétrica dos irmãos Lopes, e pelo Luis Moreira (@Thrasher_Moreira) na bateria, que conferiu ritmo e garra ao espetáculo.
O contraste entre a suavidade das 12 cordas da guitarra portuguesa e a energia da elétrica, aliado à cadência da bateria, resultou num espetáculo de pura emoção.
De tão intenso e apaixonado que é o som desta rapariga, não tenho adjetivos suficientes, deixo-vos por isso alguns momentos captados em video, que aproveito para pedir que subscrevam o canal de Youtube, para chegar à minha meta de 3333 PAX um dia.
E se tiverem oportunidade de a ver ao vivo, não deixem passar, porque é no palco que este projeto ganha multi camadas dificeis de captar, só mesmo sentindo.
Outshine – Melancolia sueca ao vivo, no coração de Lisboa
Seguiram-se os Outshine, um duo sueco que, ao vivo, conta com baterista.
Confesso que já fui mais fã do gothic/melancholic rock, mas no início dos anos 2000 era impossível escapar ao som de bandas como HIM, Charon, The 69 Eyes ou Type O Negative.
Os Outshine trazem exatamente essa vibe: escuridão elegante, melodias melancólicas e aquela cadência que te leva a dançar e abanar a cabeça devagar.
Fizeram três covers:
- Sweet Dreams (Eurythmics)
- It’s No Good (Depeche Mode)
- Nightcall (Kavinsky, membro dos Daft Punk) — a minha favorita.
Pessoalmente, acho sempre arriscado abusar de covers quando já se tem material original de qualidade, mas percebo a intenção de criar momentos de familiaridade com o público.
A verdade é que, por momentos, senti-me transportado para aquelas noites góticas no Limbo, em que dançávamos sozinhos na pista, perdidos na música, mas felizes.
Os destaques do concerto quanto a mim foram It’s All Lies, Our Misery, Darkness Within e a Nightcall (cover de Kavinsky).
Malignea – A força de uma aldeia inteira em palco
Já passava da meia-noite, um pouco tarde para se começar um concerto nos dias que correm, quando finalmente subiram ao palco os Malignea, para apresentarem o seu novo trabalho de longa duração: “A Aldeia”.
Este segundo trabalho de originais é um álbum conceptual, lançado exatamente no dia do concerto, e mais uma vez totalmente cantado em português.
O disco mistura dark, gothic e folk metal, criando uma narrativa densa e teatral.
Para esta apresentação especial, a banda arranjou um coro feminino em formato duo, que acrescentou ainda mais camadas épicas às músicas.
O alinhamento foi uma viagem entre os temas virgens de A Aldeia e algumas pérolas já bem rodadas do primeiro álbum.
Destaques da noite:
- Do novo álbum: A Bruxa, O Poço, A Aldeia e O Rei do Inferno.
- Do trabalho anterior: Universo 25 que é a minha favorita, e que continua a soar absolutamente arrebatadora ao vivo.
Também tenho a dizer que a Isabel, vocalista e front-woman da banda, esteve irrepreensível: cada vez melhor, envolvente e completamente à vontade na sua função de porta-voz destes Senhores que um dia foram os Dogma onde ela era mais reservada e timida. Também tenho que mencionar o guarda-roupa da banda que estava perfeito, complementando a narrativa do álbum e ajudando à atmosfera imersiva que elevou todo o espetáculo cheio de teatrialidade, carisma e boa disposição.
Uma reflexão final – apoiar o underground é essencial
O espaço Republica da Musica, tem capacidade para mais de 500 pessoas, e todos mereciam uma casa bem mais composta.
A ausência de público foi notória, deixando a sala com um ambiente frio e intimidador.
Compreendo que estamos numa altura difícil: regresso de férias, muito dinheiro gasto, e uma agenda recheada de concertos internacionais ainda por vir.
Mas não posso deixar de sublinhar que apoiar bandas underground devia ser uma prioridade para qualquer amante de música pesada.
Os bilhetes não passam dos 15€, o ambiente é mais próximo e autêntico, e cada presença faz toda a diferença para que estas bandas continuem a existir e a criar.
É frustrante ver tributos e concertos internacionais a esgotar rapidamente, enquanto bandas nacionais com identidade própria e enorme qualidade tocam para salas semi-vazias. Se queremos que a nossa cena continue a existir, temos de apoiá-la na base.
No fim da noite, saí da República da Música com o coração cheio:
- Pela beleza e autenticidade da atuação da Paula Teles,
- Pela nostalgia gótica trazida pelos Suecos Outshine,
- E pela força, criatividade e dedicação dos Malignea.
Uma noite que provou, mais uma vez, que o underground português está Vivo e merece ser celebrado.
#metalportuguês #underground #malignea #paulateles #outshine #etherealRecords
Deixe um comentário